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VIADUTO DAS ALMAS
A omissão tira mais uma vida
Um morto e dois feridos no velho elevado condenado. Nova passagem não foi inaugurada ainda por causa da burocracia
Pedro Ferreira
Sidney Lopes/EM/D.A press
Caminhão e picape Toyota despencaram de uma altura de 15 metros e ficaram totalmente destruídos

Um viaduto de linhas e formato ultrapassados, corroído pelo tempo, uma verdadeira armadilha para o cidadão; outro, moderno e praticamente pronto para ser usado, mas ainda inacessível por causa da burocracia. Resultado: mais uma pessoa morta e duas gravemente feridas em mais um acidente no km 592 da BR-040, exatamente sobre o antiquado e perigoso Viaduto da Almas, no trecho que liga Belo Horizonte ao Rio de Janeiro e a várias cidades históricas de Minas Gerais. O desastre envolveu o caminhão-baú placa GVH 0908, carregado de frios, que perdeu os freios e bateu na traseira da Toyota Bandeirantes placa GUV 6483, de conselheiro Lafaiete. Os dois veículos despencaram de uma altura de 15 metros.

Nos 51 anos de existência do velho viaduto, batizado oficialmente de Vila Rica e apelidado de Viaduto da Almas, as autoridades de trânsito estimam mais de 200 mortes – a Polícia Rodoviária Federal (PRF) informa que, oficialmente, não reúne dados sobre mortes no local desde 1957. A velha estrutura, condenada pela engenharia e amaldiçoada por quem perdeu parentes em acidentes, já deveria estar desativado, mas a promessa de inauguração da nova travessia, que poria um ponto final na carnificina, foi adiada duas vezes.

Primeiro, o Departamento Estadual de Infra-estrutura de Transportes (Dnit) garantiu que entregaria o viaduto em agosto, mas atribuiu o atraso às chuvas do fim de 2006. A segunda promessa foi para o mês passado, mas ficou para abril do ano que vem, com a desculpa de que é preciso fazer uma readequação no projeto da variante, ou seja, no trecho de pouco mais de dois quilômetros que ligaria o pontilhão à rodovia. E, para piorar, com o vencimento dos contratos para manutenção dos radares nas estradas, as lombadas eletrônicas instaladas nas duas pontas do Vila Rica estão há dois anos desativadas.

No acidente de ontem, os dois veículos foram parar debaixo do viaduto e ficaram totalmente destruídos. O motorista do caminhão, André Luiz Rocha, de 32 anos, morreu na hora. A mulher dele, Adriana Maria da Costa, de 34, ficou gravemente ferida, com fratura em uma das pernas e um dos pés dilacerados. O motorista da picape Toyota, Iury Ariadne da Costa, de 19, também sofreu ferimentos graves, como um corte profundo na cabeça e uma das pernas fraturada. Os dois veículos trafegavam no sentido Rio-Belo Horizonte. Chovia muito e a neblina era densa.

Depois de jogar a Toyota para fora do viaduto, o caminhão arrancou parte do que resta da mureta de proteção e bateu em dois eucaliptos. Um deles, segundo a PRF, ficou envergado e retornou à posição normal, arremessando o baú para o outro lado da ponte. A outra parte do caminhão se partiu ao meio. Ao ser socorrida, a mulher do caminhoneiro contou que o marido ficou apavorado quando o veículo perdeu os freios, no meio do viaduto. Já o motorista da Toyota contou que reduziu a velocidade para não ser multado pela lombada eletrônica, que não funciona, momento em que seu carro foi atingido na traseira e arrastado por alguns metros. Ele e a passageira do caminhão sobreviveram por sorte, segundo a polícia. A mulher foi parar no vão da carroceria.

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ALIMENTOS


Parte da carga de frios caiu sobre o viaduto e o restante se espalhou em meio aos destroços dos veículos. Dezenas de pessoas saquearam parte da carga – presunto, salame, salsicha, lingüiça e mortadela. O trânsito parou até a chegada dos policiais rodoviários, que providenciaram socorro para as vítimas e liberaram a estrada. Os saqueadores, cerca de 30 pessoas, esperaram só a remoção das vítimas para pegar os alimentos. Parte dos produtos que ficaram na pista foi esmagada pelos veículos. A pista ficou escorregadia e precisou ser lavada.

O Viaduto das Almas ou Vila Rica foi construído em curva e tem 262 metros de comprimento, 30 metros de altura e apenas duas faixas de 3,5m cada. A mureta de proteção está quebrada em vários pontos, além de haver infiltração, lodo e trincas na camada de asfalto. Com as chuvas, os riscos aumentam porque há acúmulo de água na pista.

A travessia já foi palco de duas grandes tragédias. Em outubro de 1967, um ônibus da Viação Cometa despencou de bico, matou 13 pessoas e deixou vários feridos. Dois anos depois, outro ônibus da Cometa caiu e matou 14. Nele viajava o pianista Nelson Freire, mineiro de Boa Esperança, no Sul do estado. Ele tinha acabado de trocar de lugar com o pai, que foi ficar com a mulher na parte da frente do veículo. Apenas o pianista sobreviveu e está hoje com 64 anos. Também morreu a atriz da TV Itacolomi Zélia Marinho. Ao contrário do que muitos imaginam, o nome de Viaduto das Almas não é atribuído às mortes, mas ao Córrego das Almas, que corre sob a estrutura. Apesar disso, seus altos pilares de concreto armado dão ares fantasmagóricos e inspiram histórias de assombração.
17 dez 2008 - Estado de MinasVoltar