NOTÍCIAS » AUTOESCOLA NEGOCIA CARTEIRA DE MOTORISTA POR R$ 1.000

Corrupção. Esquema de venda de habilitação continua a operar em Betim, mesmo após cerco policial em 2007
Autoescola negocia carteira de motorista por R$ 1.000
Duzentos reais ficam com o instrutor; o restante é dividido entre examinadores
Nilson Botelho e Rosângela Valadares

Apesar do esforço das autoridades policiais do Estado, o lucrativo esquema de venda de carteiras de motorista - teoricamente desfeito há três anos - ainda opera em Minas Gerais.

Embora seja mantido pelo mesmo tripé de sempre - instrutores de autoescolas, alguns examinadores corruptos do Deparmento de Trânsito de Minas Gerais (Detran-MG) e alunos, que buscam o caminho mais curto para obter a carteira de motorista, o golpe não utiliza mais documentos forjados como antigamente.

Sem deixar qualquer vestígio de crime, os números das carteiras negociadas em troca de propina são "quentes": constam no banco de dados eletrônico do Detran-MG.

É dessa forma que o esquema vem sendo aplicado abertamente na cidade de Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte, onde a aprovação no exame de direção é vendida por R$ 1.000, em duas parcelas. A primeira, de R$ 200, fica com as autoescolas, no momento da encomenda. O restante é pago no dia da avaliação para a dupla de examinadores, que divide os R$ 800 da propina.

Em Betim, as avaliações são feitas duas vezes ao mês por um grupo de cerca de 50 examinadores, os mesmos que percorrem praticamente todo o território mineiro em caravanas.

Na cidade, o esquema de pagamento de propina funciona graças à colaboração de autoescolas conveniadas pelo órgão de trânsito estadual. Aos instrutores dessas firmas, que são os intermediários do esquema, cabe o papel de recrutar novos clientes, que, posteriormente, são encaminhados diretamente para a avaliação dos examinadores participantes do esquema.

É o caso, por exemplo, de uma autoescola, cuja matriz funciona no centro de Betim. Com o empurrão dessa autoescola, qualquer cidadão brasileiro pode comprar a aprovação no exame de direção, seja ela de moto, carro de passeio, caminhão, carreta ou ônibus, inclusive os de transporte escolar.

Na última semana, repórteres de O TEMPO se passaram por interessados no esquema de compras de carteira e iniciaram um processo de negociação com a autoescola.

Usando um nome fictício e sustentando a versão de interesse pelos documentos ao custo de R$ 1.000, cada um, a compra de duas habilitações de categoria B foi negociada. Para um primo fictício, o pedido foi pelo pacote completo, ou seja, exame de legislação e de direção. Já para uma namorada, igualmente fictícia, foi encomendada a compra de um exame de direção.
Como o interesse da reportagem era apenas denunciar o esquema, a negociação, naturalmente, não foi efetivada.

Sem pudor. O primeiro contato foi estabelecido com um instrutor de trânsito da autoescola, que, curiosamente, foi indicado à reportagem por um concorrente. Abordado na própria calçada da autoescola, o instrutor contou, sem nenhuma reserva, que a autoescola "facilita" a aprovação de candidatos no exame de direção.

Em poucos minutos de conversa, ele explicou como é fácil transferir o prontuário de outras cidades para fazer o exame em Betim. Ele garantiu que arranjaria um comprovante de endereço de fachada para encaminhar o documento e, por fim, deu o preço do serviço. "Custa R$ 1.000. Duzentos para a autoescola e o restante para os examinadores", contou. Sem saber que estava sendo gravado, o instrutor continuou a explicar a negociação no outro dia, por telefone, conforme transcrição abaixo.

O empresário, que diz ser dono da autoescola, também foi procurado pela reportagem e confirmou a negociata, detalhando o funcionamento de todo o esquema em conversa informal com a reportagem de O TEMPO.

"No dia do exame, nós encaminhamos diretamente os alunos até os examinadores da nossa confiança. Tenho quase uns dez anos de experiência nessa área. É muito difícil dar errado", gabou-se.

Até para conseguir passar no exame de legislação sem ter que responder as questões de múltipla escolha, o empresário deu o caminho das pedras. Como em Betim, as provas teóricas passaram a ser filmadas após os diversos rumores de fraude, ele tem contatos em Juatuba. "Passar na prova de legislação lá é bem mais tranquilo", disse, sem informar o preço de cada prova e alegando que precisaria entrar em contato com o colega na cidade vizinha.



Intimidação
Governador do Estado manda investigar caso

Durante a apuração da matéria, um dos repórteres de O TEMPO sofreu uma tentativa de intimidação. A suposta ameaça, feita por telefone, fez o governo estadual reagir imediatamente. Por determinação direta do governador Aécio Neves, o setor de inteligência da Polícia Civil já entrou em ação para apurar de onde teria partido a ameaça.

A investigação, ainda sigilosa, visa abrir a caixa preta do esquema, com grampos telefônicos, buscas e apreensões. O secretário de Defesa Social, Maurício Campos Júnior, está supervisionando o inquérito.

Sobre o esquema de venda de carteiras, a Polícia Civil, corporação da qual faz parte o Detran-MG, informou que desconhecia as denúncias e não havia investigações sobre currupção no município.



Minientrevista

Rodrigo (nome fictício)
Instrutor de autoescola

A reportagem de O TEMPO, usando pseudônimo Tuca, conversou por telefone, nas últimas semanas, com o instrutor da autoescola onde simulou uma negociação para a compra de carteira de motorista.

Em um dos diálogos, que durou aproximadamente cinco minutos e foi gravado na íntegra, o instrutor chegou a negociar, inclusive, em nome do suposto dono da autoescola. Veja abaixo os principais trechos da conversa. (NB/RV)

Oi Rodrigo (nome fictício), aqui é o Tuca, tudo bem? Ontem eu estive com você para resolver a questão das carteiras. Está lembrado? Tô lembrado.

Eu falei com a minha namorada e com o meu primo, e eles toparam fazer o negócio. Entendeu? Então, quais os documentos que preciso levar para você? Oh, eles precisam fazer a transferência das pautas. Primeiro, precisamos de um xerox com o comprovante de endereço, identidade e CPF.

Como nós podemos arranjar um comprovante de endereço? Olha, isso a gente tem que olhar aqui. Eu tô fora da autoescola agora, em horário de almoço. Vou confirmar direitinho, mas o que a gente faz é usar o endereço de uma pessoa conhecida aqui, entendeu?

A outra dúvida é a seguinte: também tem jeito de arranjar a prova de legislação para eles? Foi o que eu falei para você; eu tenho que confirmar. Aqui em Betim é mais difícil.

A prova de direção não tem como dar errado, né? É bem provável que não.

Você quer que eu vá aí novamente para a gente conversar com mais tranquilidade? Eu acho bem melhor.

Qual é a data do próximo exame de rua aí em Betim? Dia 11 e 12 de fevereiro. A marcação é até no dia 27 de janeiro.

O pessoal que quer comprar não é de família rica, mas tem uma condição financeira estável, entendeu? Hã, hã.

Você acha que, se houver uma contribuição maior, dá para sair mais rápido? Não. Querendo ou não é a mesma coisa.

Qual é mesmo o valor que você me disse ontem? Olha, isso aí só dá para falar... Na hora que você vier aqui, a gente vê isso.

Entendi, você quer que eu veja isso pessoalmente. Ah, é bem melhor

Você acha que eu devo continuar procurando você ou é melhor conversar com o Marcelo (nome fictício), dono da autoescola? Na hora que você for, ele já vai estar lá, porque ele vai ficar o dia todo lá.

Será que eu posso ligar para ele agora para tirar alguma dúvida? Por telefone ele não fala, né, véio?

27 jan 2010 - SiproVoltar