Um ano depois do acidente provocado por francês que deixou o país depois de ironizar a impunidade, EM procura vítimas de desastres rumorosos e constata: penas pesadas só foram impostas a elas, mutiladas física ou emocionalmente. Os acusados estão livres Luciane Evans Uma novela que se repete, com um fim que quase sempre pode ser resumido na mesma palavra: impunidade. Crimes de trânsito causam repercussão, inquéritos, processos e até julgamentos, mas, quando se tem como recorrer, raras as vezes o culpado recebe punição exemplar. Um caso emblemático completou um ano no último dia 17: o francês Olivier Rebellato, então com 20 anos, debochou da mansidão das leis no Brasil, depois que bateu o Captiva que dirigia em um Mercedes Classe A, no qual estavam cinco jovens, na Região da Savassi. Embriagado, o rapaz, mesmo sabendo do estado grave em que estavam as vítimas, afirmou: "Estou no Brasil e aqui nada acontece". O pior é que, pelo desenrolar do caso, o estrangeiro parece estar certo. No fim do ano passado, ele voltou ao seu país, graças a uma decisão da Justiça brasileira, que lhe devolveu o passaporte apreendido no dia do acidente, acreditando que, por responder a processo de trânsito, o rapaz não sairia da cidade. Desde então, Olivier não pôs mais os pés em território brasileiro. Vive hoje em Paris, mas deixou para trás marcas: uma das passageiras do Mercedes Classe A, a jovem Josiane Ramos, de 28, até hoje permanece em estado vegetativo. O caso é apenas um entre muitos de desfecho parecido. Durante a última semana, o Estado de Minas procurou familiares de vítimas de acidentes de maior repercussão em Belo Horizonte nos últimos anos para descobrir qual a situação atual dos casos. Nenhuma das seis famílias procuradas pelo EM conseguiu ainda decisão final da Justiça. Entre os entrevistados, a opinião é unânime: ninguém acredita nas leis brasileiras. A lentidão no julgamento é um dos motivos dessa postura. Desde que foi implantada a Lei Seca, em junho de 2008, nada menos do que 12.675 processos relacionados a trânsito foram distribuídos em Minas Gerais em primeira instância. Até março, 6.709 foram julgados, o que não garante que chegaram a um desfecho, já que pode ter havido ou não recurso, segundo informou o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). A promessa do Fórum Lafayette de Belo Horizonte é julgar até o fim do ano os processos distribuídos até 2008. No entanto, os que chegaram à Justiça em 2009 só estarão nas mesas dos juízes no ano que vem. Luiz Henrique de Souza, de 40, que perdeu uma filha de 4 anos em acidente causado por dois jovens acusados de disputar um pega, acoolizados, em 2004, pergunta: "O que é Justiça? Ela existe?" Hoje, os acusados aguardam em liberdade o resultado do processo. Para Luiz, restaram tristeza e lembranças da pequena Yanka. Além da descrença, a impunidade também deixa sequelas físicas. Exemplo disso é a viúva Ana Cristina Paganelli, de 41, que perdeu o marido Fernando Felix Paganelli, em 2008, em um acidente causado por um jovem de 22 anos, acusado de beber demais e dirigir na contramão da Avenida Raja Gabaglia. Ana teve um acidente vascular cerebral (AVC) devido ao desgaste emocional, que atingiu os membros e a fala. Atualmente, depois de muitas sessões de fisioterapia, Ana recuperou os movimentos, mas ainda não consegue falar, apenas balbucia alguma palavras. "Jus-ti-ça", murmura, com dificuldade, ao ser perguntada sobre o que espera do caso que ainda se arrasta. "Tenho certeza de que a maioria dos réus que foram julgados em crimes de trânsito apenas prestou serviços à comunidade ou pagou a pena doando cestas básicas", dispara o promotor de Justiça do 2º Tribunal do Júri da capital, Francisco de Assis Santiago. De acordo com a juíza titular da 1ª Vara Criminal de Belo Horizonte, Maria Isabel Flepk, dos 20 casos de homicídios no trânsito da capital julgados mensalmente, em média 15 réus recebem como pena a prestação de serviços para a comunidade. "Não há espaço nas cadeias para colocar esse tanto de gente que mata na direção. Sem contar que, no julgamento, é levado em conta a reincidência do acusado, boa personalidade e motivos justificados", explica. A maioria dos acidentes de trânsito no Brasil que acabam em mortes é julgada como homicídio culposo, ou seja, sem a intenção de matar. Nesse caso, a punição pode chegar a até quatro anos e, dependendo da situação, pode haver a substituição de pena, com punições como prestação de serviços à comunidade. Outra tipificação possível é o dolo eventual. Isso ocorreria quando o motorista não pretendia, mas assumiu o risco de provocar a morte. Enquadram-se nessa interpretação condutores embriagados, em alta velocidade ou sem carteira de habilitação. Nessa condição, o crime pode render até 20 anos de cadeia ao culpado. Porém, o dolo eventual para tipificar crimes de trânsito divide o meio jurídico e vem sendo derrubado em tribunais superiores. "Enquanto os casos não forem qualificados como homicídio com dolo eventual, o número de crimes não vai diminuir. A punição para homicídio culposo é branda e quase sempre acaba em prestação de serviços", critica o promotor Francisco Santiago.26 abr 2010 - Estado de MinasVoltar