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Direção perigosa
"As pessoas andam tão à flor da pele que tendem a entrar em pânico até em situações que nada têm a ver com elas"

Maurício Lara

Foi na Região Norte de Belo Horizonte que aconteceu o fato, numa madrugada qualquer de cidade grande. O motoboy Erick Moreira trafegava com sua motocicleta. Num bairro próximo, dois homens, em uma moto, eram perseguidos depois de terem atirado em policiais militares. Em algum momento, em alguma rua, a atividade dos policiais militares teve alguma coisa a ver com a moto de Erick, que teve uma reação tão intempestiva quanto perigosa: passou a correr, pensando que a polícia estava atrás dele. A polícia, vendo o motoboy “fugir”, passou, de fato, a correr atrás dele que, com aquela atitude, deveria ter culpa no cartório.

Mas, que culpa? A moto dele estava sem retrovisor e isso poderia resultar em uma multa difícil de pagar com a receita minguada de um motoboy. No cruzamento aleatório de ruas da cidade grande, o perseguido passou a ser um motoboy que pilotava uma moto sem retrovisor, enquanto os verdadeiros suspeitos ou responsáveis pelo tiroteio anterior “escapavam” por outros lados.

Erick acabou dominado em sua casa e não ficou livre da multa que temia e nem da detenção, aplicadas por “direção perigosa”. Na fuga, Erick passara por cima das leis de trânsito. Pela falta do retrovisor, origem da sensação de culpa do motoboy, nada aconteceu. E ficou barato porque, numa perseguição assim, ele poderia ter sofrido uma queda, provocado uma trombada em alguma esquina ou até levado um tiro. Na situação inusitada, os policiais atiraram no que viram e acertaram no que os viu.

A reação “culpada” de Erick parece com a de motoristas que, vendo um agente da BHTrans anotando alguma coisa na calçada, param o carro e perguntam: “Por que estou sendo multado?” Isso para surpresa do agente, que sequer prestava atenção naquele motorista que podia ou não estar cometendo alguma infração. Mas, como gato escaldado tem medo de água fria, em tempos de insistente descumprimento da lei de trânsito, um agente anotando uma coisa qualquer na esquina coloca o motorista com sensação de medo e de culpa.

Tem também o humor duvidoso da história daquele japonês que, no momento da explosão da bomba de Hiroshima, na Segunda Guerra Mundial, estava puxando a cordinha da descarga no banheiro. Consta que o moço seguiu sua vida e, até a morte, ninguém conseguiu convencê-lo de que não tinha responsabilidade sobre aquela tragédia.

Pois é, as pessoas andam tão à flor da pele que tendem a entrar em pânico até em situações que nada têm a ver com elas. Ainda bem que vai longe o tempo da ditadura, quando, de fato, ser culpado ou inocente costumava não fazer muita diferença para os julgamentos sumários e para as arbitrariedades do tipo “você tem razão, mas vai preso assim mesmo”.

O comportamento da polícia, em tempos de democracia e de respeito aos direitos humanos, mudou bastante, mas a violência e a competição nas ruas deixam justos e pecadores em polvorosa, com medo da própria sombra. Até crianças costumam entrar nessa roda viva. Como no caso de um menino de quatro anos que, ao passar perto de uma viatura policial, sentado na cadeirinha no banco de trás do carro da mãe, usando cinto de segurança, como mandam a lei e as regras, exclama aliviado: “Um carro da polícia! Ainda bem que eles não nos viram”.
22 abr 2008 - Estado de MinasVoltar