NOTÍCIAS » ESTUDIOSOS CRITICAM TOLERÂNCIA EXCESSIVA PARA INFRATORES NO TRÂNSITO

Ernesto Braga - Estado de Minas
A tolerância excessiva do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) com autores de infrações é um dos pontos criticados pelos que defendem a reforma da lei, em debate no Congresso Nacional. Um exemplo são as exigências para que seja recolhida a carteira do motorista com infrações que somam 20 pontos em um ano: é preciso que as três instâncias de recursos – defesa de autuação, Junta Administrativa de Recursos de Infrações (Jari) e Conselho Estadual de Trânsito – tenham negado a defesa apresentada pelo condutor e o Departamento Estadual de Trânsito (Detran) tenha concluído o processo administrativo para apurar irregularidades cometidas por ele.

O chefe do Detran-MG, delegado Oliveira Santiago Maciel, critica a regra e tem uma sugestão: “O ideal é que a carteira seja recolhida quando se esgotarem os recursos, mesmo que o processo administrativo não tenha sido finalizado. A resposta das três instâncias sai em aproximadamente seis meses, enquanto a apuração do Detran pode durar muito mais de um ano. Ou seja, o motorista infrator é beneficiado, pois ganha tempo e continua dirigindo”, argumenta.

A proposta que na avaliação de Maciel vai apressar a punição será defendida pelo delegado na mesa-redonda de que ele participa amanhã, em Brasília, na Subcomissão Especial de Revisão do CTB da Câmara dos Deputados. O processo administrativo aberto pelo Detran estipula a suspensão imposta ao condutor, que pode variar de um mês a um ano. Para voltar a dirigir, ele tem que se submeter a curso de reciclagem. “Esse processo é demorado por vários fatores, como a localização de testemunhas, além da grande quantidade de apurações”, disse. De janeiro a julho deste ano, o Detran-MG abriu 4.036 processos de suspensão do direito de dirigir: 2.630 motoristas foram punidos, sendo que 1.161 completaram 20 pontos no prontuário.

O advogado Carlos Augusto de Araújo Cateb, especialista em legislação de trânsito, é favorável à proposta do chefe do Detran-MG. Segundo ele, a medida já é adotada em alguns países da Europa. “Se os recursos forem negados nos três órgãos competentes para analisar a defesa, a suspensão da carteira deve ser imediata, não tem mais o que discutir. Hoje, além de ganhar tempo, o infrator pode ser beneficiado com a prescrição do processo”, destaca. Mas a proposta está longe de ser consensual, como demonstra a opinião do autor da obra Código de Trânsito Brasileiro Explicado, o juiz aposentado João Baptista da Silva. “Sou absolutamente contrário. Ou existe o processo administrativo ou não existe. Ele é que vai decidir se a carteira deve ser retida.”

A especialista em elaboração, gestão e avaliação de projetos de trânsito Rosana Antunes, coautora do CTB, ressalta que as medidas punitivas relacionadas à pontuação só começaram a ser efetivamente aplicadas após seis anos da legislação, que entrou em vigor em 1998. “Só quando os motoristas começaram a renovar as carteiras é que se decobriu que muitos já tinham acumulado 20 pontos ou mais”, disse.

Preparação para os pequenos cidadãos

Se os especialistas em legislação de trânsito têm opiniões divergentes sobre as propostas que serão debatidas na Subcomissão Especial de Revisão do CTB, em um ponto eles são unânimes: o assunto deve ser tratado como meta de educação e inserido nas salas de aula. A coautora do Código Rosana Antunes destaca que, embora prevista no conjunto de regras em vigor de 1998, a aplicação do conteúdo nas escolas ainda é muito tímida.

“Até hoje isso não foi normatizado. O trânsito deve ser abordado desde a pré-escola, trabalhado em todas as matérias. Na nossa realidade, em que os pais ficam cada vez menos tempo com os filhos, o professor passa a ter a função de orientar as crianças sobre variados temas. Mas o que se vê atualmente são ações pontuais, como concursos de desenhos e redação”, afirma.

Para o juiz aposentado João Baptista da Silva, não adianta apenas tornar as punições para os motoristas infratores mais severas. “O que resolve o problema do trânsito é a educação. O código impõe atividades educativas em todos os níveis, com o tema integrando os currículos. É preciso ensinar principalmente aos mais novos, embora os demais também possam aprender.”

O diretor do Detran-MG, Oliveira Santiago Maciel, defende ações educativas inclusive entre os motoristas infratores, e não só a aplicação de penas como trabalho comunitário. “Não adianta apenas ações coercitivas se não houver um trabalho muito bem-feito no campo da educação. A pessoa que comete uma infração de trânsito precisa refletir sobre os danos que causou a outras pessoas, muitas vezes irreparáveis, para que mude de comportamento.”
02 set 2009 - ESTADO DE MINASVoltar