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ALEXANDRE GUZANSHE
Imprudência. O carro do médico Anderson Gonçalves, que dirigia com sintomas de embriaguez na avenida Raja Gabáglia

FOTO: ALEXANDRE GUZANSHE
Imprudência. O carro do médico Anderson Gonçalves, que dirigia com sintomas de embriaguez na avenida Raja Gabáglia
Ineficiência. Apenas metade dos condutores flagrados alcoolizados na capital responde a processo administrativo
Impunidade no trânsito faz com que motoristas bebam sem medo
Segundo a Polícia Civil, laudos ainda estão em fase de conclusão
Eugênio Martins
A Lei Seca, que completa um ano no próximo sábado, dá sinais de que perdeu a força. Um dos motivos é a sensação de impunidade dos acusados, o que faz com que motoristas dirigirem alcoolizados sem medo de sofrerem punições. Diariamente são registrados acidentes envolvendo condutores sob o efeito do álcool. E quase sempre as consequências são as mesmas: os motoristas são detidos em um primeiro momento, liberados em seguida e, quando muito, multados. Não foi diferente em uma ocorrência na madrugada de ontem na região Centro-Sul de Belo Horizonte.

O médico Anderson Ricelli Nunes Gonçalves, 30, dirigia um Golf com sintomas de embriaguez quando causou um acidente na avenida Raja Gabáglia, no bairro Luxemburgo. Além de possivelmente alcoolizado, o ortopedista estava em alta velocidade, bateu em um Uno, invadiu uma loja com o automóvel, fugiu do local e, após ser capturado, se recusou a passar pelo teste do bafômetro. Apesar de todos esses delitos, ele foi liberado pela polícia (leia mais ao lado). Um balanço da Polícia Civil mostra que a punição da Lei Seca é branda e demora para sair do papel.

Desde quando entrou em vigor - em 20 de junho do ano passado - até abril deste ano, 1.279 pessoas foram conduzidas ao Detran na capital por suspeita de embriaguez. Dessas, 946 foram reprovadas no teste do bafômetro ou no exame feito no Instituto Médico-Legal. No entanto, apenas 492 inquéritos e processos administrativos foram instaurados para apurar os crimes, ou seja, pouco mais da metade. De acordo com a polícia, a quantidade de inquéritos instaurados é inferior ao número de condutores flagrados porque laudos ainda estão em fase de conclusão e ocorrências ainda são investigadas. Das 936 carteiras de habilitação suspensas no ano passado, apenas oito foram cassadas.

Em 2009, dos 350 motoristas que tiveram a carteira suspensa provisoriamente, apenas dois foram definitivamente proibidos de dirigir. Para a polícia, o baixo número se justifica pelo fato de os inquéritos ainda não terem sido concluídos. Uma pesquisa do Ministério da Saúde feita com 54 mil pessoas em abril deste ano mostrou, em números, que a Lei Seca parece estar mesmo perdendo a eficácia. Segundo o levantamento, 2,3% dos entrevistados admitiram beber e dirigir. O percentual é maior do que o registrado em abril do ano passado (1,8%), quando a Lei Seca ainda não estava em vigor. Em agosto, dois meses após a entrada da nova legislação, foi registrado o menor índice de álcool ao volante (0,9%), mas nos meses seguintes a pesquisa apontou que o hábito de beber e dirigir voltou.

Reflexo

Maioria. De acordo com a Delegacia de Acidentes de Veículos (Deav),cerca de 60% dos acidentes na capital são causados pelo uso de álcool. Em 2008, foram realizados 13.026 atendimentos no Hospital João XXIII.

Doméstica perde a perna e acusado fica impune

A doméstica Erlei Rezende, 40, é uma das vítimas da impunidade. Em outubro de 2008, ela teve uma perna amputada quando a moto em que estava com o marido foi atingida por um motorista alcoolizado, em Iraí de Minas, no Triângulo. O condutor, um fazendeiro da região, não chegou a ser preso e responde ao processo em liberdade. Além de ter que conviver com o trauma, Erlei teve que abandonar a família e se mudar para Uberlândia para fazer tratamento em um hospital especializado. Ela ainda está na cadeira de rodas e, mesmo sem o sustento, não recebeu indenização. "Não quero voltar para a minha cidade porque ainda tenho trauma. Minha vida foi destruída. Não consigo aceitar o que aconteceu. E o pior é que o motorista está impune." (EM)





Cartela de irregularidades
Médico ainda estava sem CNH
Além de apresentar sinais de embriaguez, o médico que provocou o acidente na madrugada de ontem, na Raja Gabáglia, estava sem a carteira nacional de habilitação (CNH). Anderson Ricelli Nunes Gonçalves, que já teria trabalhado na Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) Leste, foi conduzido ao Detran e, de lá, seguiu para o Instituto Médico-Legal (IML), onde passou por exames que verificam a taxa de álcool no sangue. O resultado do laudo sai em 30 dias. Ricelli foi multado por embriaguez ao volante, direção perigosa e por não portar a CNH. Ele vai responder ao processo administrativo em liberdade. Segundo a Polícia Militar, o acidente teria sido iniciado quando o médico, em alta velocidade, perdeu o controle do carro, um Golf preto, e bateu em um Uno de uma empresa de segurança.

Com o impacto da batida, a lanterna de um semáforo de trânsito caiu. Ricelli não parou e invadiu uma imobiliária, destruindo uma porta e parte de uma parede do estabelecimento, na esquina com a rua Júlia Nunes Guerra. Não é a primeira vez que um veículo invade a calçada e atinge pontos comerciais na avenida Raja Gabágilia. Quem passa constantemente pelo local diz já ter presenciado vários acidentes. “Sempre passo por aqui e vejo os carros batidos em cima dos passeios”, afirma o motociclista Fernando Santos. O vigilante Antônio Gomes, que trabalha há cinco meses em um edifício comercial na avenida, diz que o excesso de velocidade é a maior causa dos acidentes no local. “Os carros descem em alta velocidade e não conseguem fazer a curva.” (Giselle Araújo)
Publicado em: 17/06/2009


18 jun 2009 - O TempoVoltar