NOTÍCIAS » PESQUISAR PREÇO NUNCA VALEU TANTO

Custo da gasolina e do álcool em BH varia mais de 20% em postos situados a menos de seis quilômetros de distância na Região Central da cidade
Izabela Ferreira Alves
Maria Tereza Correia/EM/D.A Press - 25/2/08
Em um raio de apenas seis quilômetros, partindo da Praça da Estação, no Centro de Belo Horizonte, é possível encontrar gasolina de R$ 2,089 a R$ 2,569 na capital mineira, variação de R$ 0,48 ou 22,97%. Quem abastece quatro vezes no posto mais barato, leva um tanque de 50 litros de graça. A possibilidade de economizar com os carros a álcool é ainda maior: o litro sai de R$ 1,199 a R$ 1,699 –R$ 0,50 de diferença, ou 41,7%. Deu a louca nos postos? Os revendedores praticam concorrência predatória? Alguns recebem combustível mais barato das distribuidoras? Ou muitos querem lucrar demais em cima da falta de informação do consumidor? Os questionamentos são muitos e as respostas, a maioria das vezes, inócuas. Uma coisa é certa: a livre concorrência rege o setor para o bem e para o mal. E o motorista desavisado vai amargar no bolso a diferença.

A disparidade nos preços já foi parar até na Justiça. Os baixos preços praticados por alguns estabelecimentos levou o Posto Legal, no Bairro Gutierrez, Zona Sul de BH, a acionar a sua distribuidora, a Shell. No processo, em tramitação na 21ª Vara Cível, o revendedor pede o direito de comprar combustível por preço igual ao vendido à concorrência. Por receber álcool e gasolina a um custo muito superior, o dono do posto alega não ter condições de concorrer em pé de igualdade. Hoje, o Posto Legal vende a gasolina comum a R$ 2,399. A Shell não quis comentar o caso.

No Posto Wap, o segundo mais barato visitado ontem pelo Estado de Minas, o gerente Fábio Moreira confirma a prática de repasse de combustíveis a preços diferenciados. “Excepcionalmente e por um tempo pequeno, a distribuidora perde em determinada região da cidade, porque consegue compensar em outra”, justifica. O estabelecimento onde ele trabalha há 12 anos é um dos líderes de venda da Shell e pauta vários outros negócios, junto com alguns estabelecimentos da Via Expressa. O giro de estoque mensal supera a marca de 1 milhão de litros comercializados. “Não sabemos o preço de abastecimento dos concorrentes e não informamos o nosso, mas competir com postos bandeira branca é um sufoco. Eles não estão presos a nenhum contrato”, compara.

De passagem, o mestre de obras Lourival Peixoto, de 55 anos, não se incomodou em enfrentar a longa fila na entrada do posto. “A Kombi é flex, mas não está valendo a pena pôr álcool, porque rende menos”, observa. O movimento contrastava com a pasmaceira a poucos quilômetros dali. Na Avenida Nossa Senhora do Carmo, o Posto Xuá não recebeu nem um cliente para abastecer entre 10h e 10h17. O gerente apontou as possíveis causas. “Nosso preço é o mesmo há três anos. A clientela é fixa e o valor cobrado não influencia”, garante. A reportagem entrou em contato com o dono, Tomaz Nisita, mas ele não retornou as ligações.

Na Avenida dos Andradas, perto do Viaduto da Floresta, também era preciso paciência para encher o tanque no Posto BH. O proprietário José Maurício Costa disse receber a gasolina por R$ 2,025 e o álcool a R$ 1,217. Com um giro mensal de até 400 mil litros, ele reclama da margem de lucro apertada. “Não passa de R$ 0,06 por litro e, atualmente, enfrentamos prejuízos. A tendência é de alta nos combustíveis”, projeta. Mas não foi esse o retrato flagrado pelo site Mercado Mineiro. Pesquisa divulgada ontem aponta queda nos valores praticados na capital. O preço médio da gasolina comum teve redução de 1,2% desde 16 de maio. Já o álcool, com a entrada da safra da cana-de-açúcar, teve queda de 4,9%.

Em posição intermediária, o Posto Flamingo, na Pampulha, também não tem como estratégia o menor preço. “Nosso foco é a qualidade do produto e a legalidade da empresa, que paga uma comissão mercantil alta à Petrobras”, justificou o gerente Claudinei de Paula. Ele mostrou a última nota fiscal de compra de gasolina, (R$ 2,1074 por litro) comprovando que só pode competir com o Posto BH se operar no vermelho.

PARA DISTRIBUIDORAS, BH É MERCADO ANORMAL


O vice-presidente do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e Lubrificantes (Sindicom), Alísio Mendes Vaz, afirma que BH é, há muitos anos, um mercado anormal no Brasil. Segundo ele, a prática de preços, artificialmente, baixos são freqüentes na capital. “Isso é ruim, porque dá a ilusão para o consumidor de que é possível vender o litro da gasolina a R$ 2,09. Quem pratica esse valor, comercializa combustível não-adulterado e paga impostos está sustentando o negócio com outra atividade”, diz.

Questionado se as distribuidoras praticam preços mais acessíveis aos grandes revendedores, o executivo pontuou que o lucro dos intermediários varia entre R$ 0,05 e R$ 0,10. Como o álcool é mais barato, a margem das distribuidoras pode ser um pouco maior. “Mas mesmo que o posto tenha posição privilegiada em relação aos demais e receba combustível com desconto um pouco maior que R$ 0,10 – e nesse caso a distribuidora não está remunerando seu capital – o revendedor não estaria apto a oferecer ao cliente uma promoção de R$0,50. Esse balanço não fecha”, afirma.

Como Vaz não acredita que as distribuidoras trabalhem no vermelho, oferendo aos revendedores descontos acima do que elas podem compensar com o lucro, ele relaciona as disparidades no preços à estratégia de alguns donos de postos. “A distribuidora pode estar sacrificando sua margem em determinada região da cidade em detrimento de outras, mas o dono da revenda, com certeza, deve estar auferindo lucros menores. Esse tipo de competição, além de não ser saudável, não se sustenta no longo prazo”, avalia.

O professor Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infra-estrutura, vê outras causas para a diferença alta. “Na Zona Sul, os impostos são mais caros. É igual tomar uma Coca Cola em um bar e num hotel cinco estrelas”. Ele também não descarta a possibilidade de acordo entre postos de determinadas regiões e, nesse caso, lembra ser possível acionar a Agência Nacional de Petróleo (ANP). Adulteração e sonegação também não escapam da lista do especialista. “No caso dos postos bandeira branca, o dono pode até estar recebendo combustível a um preço menor. Ainda assim, é importante ressaltar que as distribuidoras são atacadistas, ou seja, o ganho é de escala e elas não tem interesse em vender menos, a quem quer que seja”, completa.





Fotos: Sidney Lopes/EM/D.A Press
VIVA A DIFERENÇA
Motorista há 23 anos de uma companhia de abastecimento de água e esgoto Antônio Carlos dos Santos, de 50, foi o único cliente do Posto Xuá a parar o carro para abastecer ontem, de 10h às 10h25. Ele encheu o tanque e assinou um vaucher do convênio firmado entre a empresa e o estabelecimento. Se fosse seu carro, ele garante que nunca abasteceria ali “É um absurdo, muito caro”, reclama. Quando tem dinheiro para completar o reservatório, Antônio opta pelos postos da Avenida Pedro II ou Via Expressa. “E viva a diferença”, conclui.


SÓ À VISTA
A dona-de-casa Lia Milagres, de 60, saiu ontem do Bairro Belvedere para levar umas doações à comunidade perto do Posto BH, na Avenida dos Andradas. Ela aproveita o trajeto e abastece há mais de um ano no estabelecimento, que não aceita cartão de crédito, só pagamento à vista. Ela afirma ter sido conquistada pelo bolso. “Vale a pena pagar mais barato por um combustível de qualidade. Nunca deu problema no meu carro e rodo sempre a mesma distância. Já fiz as contas e comparei com outros postos”, afirma.


SEM PLANEJAR

O auxiliar administrativo Rafael Ãngelo, de 23, abriu mão da única arma que tem a seu favor quando o mercado é regido pela livre concorrência: a pesquisa de preço e o planejamento. Ele confessou que o tanque estava vazio e parou no primeiro posto a caminho de casa. “Não dá para ir mais. Nem olhei a bomba”, disse. Depois de ver o preço, ficou amuado. “Pelo menos, o outro posto só aceita o pagamento à vista e eu paguei no cartão. Sei que poucos metros à frente o litro de gasolina é R$ 2,19. Paguei R$ 2,49, fazer o quê.”
24 jun 2008 - Estado de Minas Voltar